domingo, 26 de julho de 2009

Conto corporativo

Esse texto fala um pouco sobre as exigências e as expectativas que precisamos atender nesse momento das nossas vidas.


A exigência dos Y

Ela entrou na sala junto com a profissional de RH e sentou-se em na única cadeira vazia. Em torno da mesa redonda estavam o Diretor Financeiro, o de Marketing, a Gerente de Processos e a analista de Recrutamento e Seleção. Ela estava tensa.

Embora se sentisse preparada, afinal sempre fez todos os cursos, intercâmbios, tirou boas notas e era o orgulho da mamãe, naquela sala fria cheia de olhares críticos em sua direção, ela lembrava que tinha apenas 22 anos e estava ali para provar que tinha potencial e vontade de ser melhor que os quatro juntos.

Após uma análise silenciosa do currículo que estava sobre a mesa, o Diretor de Marketing disse:
- “Se nós fossemos uma família de esquimós, morando em um iglu, como você nos venderia um ar condicionado?”

Momento “queda livre da montanha russa”.

Por mais que isso fosse esperado, não há preparação que nos livre da sensação de temer o fracasso. E ele tinha acabado de chegar naquela mesa, junto com aquela pergunta.
Sem tempo para pensar em nada original, inovador ou que provasse uma das suas habilidades adquiridas nos inúmeros cursos que fez, Júlia respirou fundo e simplesmente arriscou:

- “Bom dia, senhores! Frio, não? Vocês poderiam até mesmo dizer q é um dia muito frio para comprar um...ar condicionado, certo? É óbvio! Tenho que concordar...E se eu disser que o produto que trago para vocês não é um ar-condicionado e sim a forma mais simples de trazer aconchego para sua família?”

Júlia sabia que de alguma forma estava tinha conseguido se escorar antes de cair de um abismo. O diretor de Marketing então disse:
- “Hum...prossiga.”

Júlia respirou toda a coragem que pode daquele “prossiga” e continuou:
- “Antes de falar do mais importante, vejam o design. É um aparelho moderno, que trás não só uma funcionalidade prática como também estética. Ele vai dar um toque especial para as paredes tão branquinhas do seu iglu. Mas a pergunta que não quer calar: se a casa já é fria, porque um aparelho que esfria o ar?”

A essa altura, os presentes já estavam curiosos e as paredes brancas da sala de reunião começavam a parecer blocos de gelo. Bingo! Júlia, estava conseguindo envolvê-los.
- “Exatamente por isso, senhores! Um aparelho para aquecer o ar, vai trazer calor para a casa, o que pode até deixar alguns cantos mais quentinhos, mas ainda assim, outras partes da casa continuarão geladas e essa diferença de temperatura não faz bem para a saúde e ainda pode derreter suas lindas paredes.”

Até mesmo Júlia estava surpresa com tal comparação que sua mente tinha formulado.
- “O ar condicionado vai produzir ar gelado, equilibrando toda a área fria da sua casa em uma só temperatura, muito mais fácil de se habituar. Sem mais aquele tipo de situação: 'Pai, você pode ir na cozinha pra mim? É que aqui na sala já está tão quentinho...'. Além disso tudo, o aparelho pode canalizar o ar para qualquer lugar, evitando concentração de frio em lugares específicos, como o sofá, na hora de assistir um filme em família.”

Com essa mistura de argumentos emocionais e racionais, os entrevistadores já tinham outra imagem de Júlia, mas ainda aguardavam que ela finalizasse seu discurso.
- “Senhores, um ambiente com um clima equilibrado e ainda com a possibilidade de controlar o ar frio para onde quiser, vai certamente deixar sua casa mais aconchegante, bem decorada e definitivamente, melhorar o clima mais importante da casa: o da sua família.

Júlia terminou e ficou em silêncio, assim como as outras pessoas da sala. Esses instantes são os mais inquietantes do mundo e ela precisava manter uma postura de que estava absolutamente segura do que tinha feito. O abismo continuava lá.

Os entrevistadores se entreolharam, murmuraram frases indecifráveis para Júlia (que a essa altura só ouvia a palpitação do seu coração) e no final, a Gerente de Processos disse:
- “Você está disposta a reorganizar nosso iglu a partir de segunda-feira?

Júlia sorriu e sabia que a montanha russa tinha parado e ela estava pronta para ir para o próximo brinquedo.

8 comentários:

  1. Concordo com o Cesar! senti um frio na espinha como se tivesse um dos blocos do iglu nas costas... o_O

    hehehe!

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  2. Muito bom!!
    Fiquei nervosa junto com a Julia!

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  3. Oi gente!

    Não esperava essa sensação de nervosismo e medo, mas fico feliz que o conto tenha passado isso, afinal, quem de nós nunca se sentiu como a Júlia em um processo seletivo?
    Estamos todos no mesmo barco! =)

    Bjs,
    Lili

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  4. Lili vc é demais! Herói moderno. Parabéns pelo blog e prazer em conhecer.

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  5. Oi Lili!
    Realmente o Conto é interessante.
    Heróico demais pro meu gosto realista, mas ainda assim me vi no lugar da personagem. Cheguei até a enxergar os blocos de gelo na parede da sala de entrevistas!! Hahah

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  6. Um amigo meu participou de uma dinâmica e foi solicitado que ele vendesse um ar-condicionado para esquimós. Ele respondeu da seguinte forma: " Com essas mudanças climáticas a temperatura nos polos já não é a mesma, então para não sofrer com o calor compre um ar-condicionado..." (Resumidamente escrito)
    Achei ótima a forma como ele conseguiu contextualizar.

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